A teoria metabólica do câncer - Parte III
Dieta Paleolítica e Dieta Low Carb

A teoria metabólica do câncer - Parte III




Otto Warburg, a acidez e a teoria metabólica do câncer

Certamente a maioria das pessoas que tem um certo trânsito de informações pela web, recebe muitos emails, links no facebook, e de outros meios de compartilhamento com informações sob a natural preocupação com nosso mais poderoso inimigo, o câncer. E muitas vezes essa informação traz a questão da importância da dieta, do controle da alcalinidade e do mix desses dois temas. Mas qual a qualidade dessas informações? 
Nesse post vamos conhecer melhor um personagem muito citado quando o assunto é controle do pH do organismo, ou seja o balanço entre alcalinidade/acidez do organismo.
Imagino que a expressão acidez esteja associado a algo ruim em termos de bem estar. Afinal, na linguagem popular "estar ácido" é vulgarmente associado a coisas desagradáveis, perigosas etc. A expressão ácida tem mais de cem sinônimos ligados a qualidades humanas ruins (LINK), mas em fisiologia é apenas o sinônimo de um pH abaixo de 7.0. Já a palavra alcalina não apresenta tanta importância conotativa. Parece sempre que alcalinizar é menos pior do que tornar ácido. 

A alcalose respiratória pode estar associada a um conjunto de eventos bastante desagradáveis, como uma série de sintomas neuro musculares que podem parecer até mesmo assustadores. Mas isso nunca é lembrado. Aliás, o método mais rápido de controle de pH é a RESPIRAÇÃO! Por isso a
importância da meditação e técnicas similares: basicamente há um aumento do pH (por alcalose respiratória) pela entrada de oxigênio. Quando estamos correndo sempre entramos em acidose, que pode ser por efeitos metabólicos e respiratórios. Metabólicos pela formação de ácido lático, uma vez que o excesso de atividade muscular força a uma atividade celular anaeróbia (glicólise e fermentação) e respiratórios pelo aumento da formação de gás carbônico (pelo aumento da respiração celular que gera mais CO2). Numa situação de fuga de predadores ficar ácido é fundamental para a sobrevivência, isso acontece transitoriamente. Respirar profundamente ocorre após ficarmos a salvo (visto glamurosamente como estado meditativo - ou nos apropriarmos da respiração), mas ficar a salvo dependeu do processo geral que gerou a … salvadora acidez!

Um personagem muito citado na grande maioria de publicações sobre acidez e câncer é o dr Otto
Otto Warburg
Warburg. E ele não é um fake. Ganhou o prêmio Nobel de medicina e fisiologia em 1931. Filho de um físico muito respeitado, ele conviveu na infância com personalidades como Einsten e Max Planck. Grande parte de sua produção científica foi sobre o câncer em termos de biologia celular. Ele argumentava - nos anos trinta - que havia relação entre aditivos alimentares  e o cigarro com o câncer, e demonstrou que a radiação poderia matar células cancerosas. De acordo com o Dictionary of Scientific Biography, 59 grandes descobertas no campo da ciência são creditados ao dr Warburg, e pelo menos três ganhadores de prêmios Nobel foram seus alunos (Otto Meyerhof, Hans Krebs, e Axel Theorell). Não se casou e teve sua vida inteira dedicada à pesquisa científica.  
Ele viveu na Alemanha nazista, com laboratório em Berlim e teria sido protegido pelo próprio Hitler, pelo fato de ser um pesquisador na área de câncer, e o führer ter pavor dessa doença. Mas em 1944 não pode ser indicado para outro Nobel, por ordens do comando nazista.

Mas o que importa sobre Warburg é a razão desse Nobel de 1931: a célula de câncer se multiplica em anaerobiose, ou seja sem oxigênio, com ambientes ácidos. Mas isso precisa ser bem decodificado para entendermos qual é o processo exato envolvido com a multiplicação de células cancerosas.
Mas vamos ver o que mostra um panfleto popular sobre o que teria sido a explicação do dr. Warburg a respeito o câncer:






São frases potencialmente verborrágicas, e que podem mexer com os sentimentos dos leitores que não tem acesso a informação mais qualificada a não ser essa baboseira escrita em letras coloridas e música motivadora.
Como já citei anteriormente, sempre que estamos praticando atividade física, como estar correndo, entramos em acidose, seja respiratória como metabolicamente. Isso é fundamental em certas circunstâncias de sobrevivência para o ser humano. E células bem sadias podem promover um ambiente ácido, como todas as células musculares estriadas dos grandes músculos esqueléticos que nos movem para a sobrevivência. Já que a glicólise produz ácido lático, e a glicólise é uma opção respiratória essencial para essa grande população celular, se a demanda energética for levada a extremos.



Nunca é demais lembrar que há ambientes corporais extremamente ácidos, e que só no extremo do pH fazem bem seu trabalho: por exemplo o processo digestivo no estômago. O ácido clorídrico reduz o pH o que puder para que o organismo aproveite com eficiência a absorção de nutrientes que estão entrando através dos alimentos. Isso pode baixar o pH para algo como 1.5 e esse é um valor realmente hiper-ácido! E se não for ácido o suficiente todo o resto do processo digestivo fica comprometido.

Vamos examinar um pouco mais o que disse realmente o dr Otto Warburg sobre essa história de acidez, oxigênio, etc.
Sua hipótese sobre a natureza do câncer não morreu com ele em 1970 graças a um pesquisador do John Hopkins University of School Medicine, Peter Pederson. A observação original de Warburg era a seguinte: As células cancerosas tem um método pervertido de gerar energia (…) a causa primária do câncer seria a substituição da respiração por oxigênio, como seria nas células normais saudáveis do corpo  pela fermentação da glicose. A habilidade de gerar energia através da rota oxidativa está danificada, e a célula reverte para a antiga e menos ineficiente forma: a glicólise e fermentação. Outro pesquisador, Seyfried, no continuum  de Warburg/Pedersen, observou que as células cancerosas teriam um dano nas mitocôndrias. Uma célula normal tem de mil a dois mil mitocôndrias. Compõe o equipamento fundamental para que a respiração com aproveitamento do oxigênio se estabeleça e gerem muitos ATPs. Sem mitocôndrias eficientes a célula respira por glicólise, gera ácido lático e consequentemente isso estabelece uma redução do pH.
Dessa forma fica claro que ao contrário do que muita gente diz e repete, talvez por influências de panfletos como o citado nesse artigo, a acidez NÃO é a causa do câncer e sim sua consequência!
Os tecidos ácidos tão sublinhados nada mais são que a expressão da doença!
Se essa for a motivação de uma dieta alcalina ou alcalinizante, esqueça! O caminho terapêutico certamente não passa por aí!
É claro que há a questão da mudança das mutações do genoma visto nessas células. A melhor compreensão em termos evolutivos é a seguinte: quando ocorre uma incapacidade das mitocôndrias efetivar a produção energética, ocorre uma mensagem de emergência para o núcleo,  iniciando um conjunto de processos de sobrevivência, provavelmente ancestrais - multiplicação descontrolada, instabilidade genômica com aumento de surgimento de mutações, e evitação da apoptose (morte celular programada). Dessa forma forma fica claro, o câncer tem duas etapas - a lesão mitocondrial (com mudança para a respiração citoplásmatica - a glicólise) e secundariamente as mudanças no DNA. Assim toda a perspectivava de focar a atenção e terapêutica do câncer nas mutações do DNA, acabam apenas se voltando para as consequências do processo, nunca para sua causa original.
O já citado pesquisador James Watson escreveu o seguinte a respeito das ideias de Otto Warburg, em 2009:
A idéia de que as células cancerosas podem ser 
unificadas por ter um conjunto comum de
moléculas não encontradas na maioria das outras
células do nosso corpo foi primeiramente
proposta pelo grande bioquímico alemão
Otto Warburg em1924; ele observou que toda a
célula cancerosa, independentemente de estarem
crescendo na presença ou
ausência de oxigênio, produzem grande
quantidade de ácido láctico. No entanto,
não foi até um ano atrás que o
significado da descoberta de Warburg
fosse revelado: O metabolismo das
células cancerosas, e certamente de todas as
células em franca proliferação, é largamente
dirigida para a síntese de
blocos de construção celular a partir de
produtos da degradação da glicose.
Esta descoberta indica que nós
precisamos de novos esforços corajosos para pesquisar
se novas drogas que inibam especificamente
enzimas-chave envolvidas neste processo de quebra de glicose 
tem de fato efeito anti câncer!

O pai do DNA, e um dos principais proponentes de suporte à terapêutica quimioterapia, lastreada na Teoria das Mutações Somáticas, que mantém a idéia de que o DNA, e suas mutações seriam a causa do câncer admite publicamente que as pesquisas provavelmente seguiram um curso equivocado.


Bem, comparando com o que é comumente dito sobre a questão do oxigênio e acidez na relação com o câncer: 
1) Não faz diferença se existe ou não oxigênio disponível, a célula cancerosa não tem mitocôndrias eficientes, assim a respiração anaeróbia, por glicólise é impositiva;
2) A acidez é consequência da proliferação celular cancerosa e não sua causa;
3) O combustível para esse processo é a glicose - a molécula mais simples de um conjunto de alimentos que chamamos de carboidratos.
Qual o significado disso?
E afinal, existem outras provas científicas que reforçam a teoria metabólica do câncer? 

Veremos em próximo post.

Obras de Warburg:
Stoffwechsel der Tumoren (1926)
Katalytische Wirkungen der lebendigen Substanz (1928)
The Metabolism of Tumours (1931)
Schwermetalle als Wirkungsgruppen von Fermenten (1946)
Wasserstoffübertragende Fermente (1948)
Mechanism of Photosynthesis (1951)
Entstehung der Krebszellen (1955)
Weiterentwicklung der zellphysiologischen Methoden (1962)
The Prime Cause and Prevention of Cancer (1966)

Referência principal desse artigo LINK



loading...

- Dietas Cetogênicas E Câncer - Parte I
Estou publicando a tradução de uma parte de um artigo de revisão sobre o uso da dieta com extrema redução de carboidratos - a dieta cetogênica - e sua eventual utilidade na terapia do câncer. Nessa primeira parte é falado sobre a história...

- Mitocôndrias Também Participam Do Controle Da Glicose
As mitocôndrias no cérebro podem controlar os níveis de glicose e alterar a forma quando você recebe uma carga de carboidratos Como qualquer estudante do ensino médio de ciência possa dizer, as mitocôndrias são a força motriz das células....

- A Teoria Metabólica Do Câncer - Parte V
A teoria metabólica do câncerMais elementos para configurar as características da questão  Continuamos com a uma série de artigos a respeito da teoria metabólica do câncer.Nos artigos anteriores vimos uma pouco da história da pesquisa do...

- A Teoria Metabólica Do Câncer - Parte Iv
Mitocôndrias e glicose Como o câncer se mantém exitoso Bem, chegamos ao quarto post sobre o câncer. E agora vamos tentar conhecer melhor um dos fundamentos da teoria metabólica do câncer: o papel das mitocôndrias. A importância de uma compreensão...

- A Teoria Metabólica Do Câncer - Parte Ii
CÂNCER: Uma doença metabólica - Parte II A proposta dessa sequência de artigos.  é estudar o câncer sob a perspectiva da teoria de origem metabólica. Mas antes de prosseguir na questão metabólica propriamente dita vamos dar uma rápida examinada...



Dieta Paleolítica e Dieta Low Carb








.