A teoria metabólica do câncer - Parte IV
Dieta Paleolítica e Dieta Low Carb

A teoria metabólica do câncer - Parte IV


Mitocôndrias e glicose

 Como o câncer se mantém exitoso


Bem, chegamos ao quarto post sobre o câncer. E agora vamos tentar conhecer melhor um dos fundamentos da teoria metabólica do câncer: o papel das mitocôndrias. A importância de uma compreensão estruturada sobre a forma que as células cancerosas podem persistir, e construir uma doença cujo sucesso terapêutico permanece tão esguio, pode oferecer a possibilidade de uma nova proposta de tratamento, quem sabe mais razoável, mais promissora, e até menos onerosa financeira e fisiologicamente.
Em 1948 um pesquisador britânico em genética,  C. D. Darlington, publicou no British Journal of Cancer um artigo onde ele já percebia inconsistências na ideia de uma origem genética a partir do núcleo celular. Baseado em suas amplas dúvidas sobre a associação entre mutações e câncer, ele pareceu estar convencido de que havia algo errado no citoplasma, em alguma de suas estruturas, que ele chamou à época de “plasmogenes“, e que poderia se tratar das mitocôndrias.
Uma série de constatações a respeito de problemas com as mitocôndrias tem sido relatadas em vários estudos em células cancerosas. Entre essas constatações podemos citar o seguinte:
Diferença entre mitocôndria de célula normal e de um câncer

UMA PROVA QUE TORNOU DIFÍCIL DEFENDER A TEORIA DAS MUTAÇÕES NUCLEARES

Vários estudos que testaram a importância de núcleo e citoplasma, na prevenção/promoção de células cancerosas pode ser sumarizado na figura abaixo:


Basicamente o gráfico mostra experimentos de transferência de núcleo e citoplasma com células tumorais e normais. O que o diagrama mostra? Quando é retirado o núcleo de um célula tumoral e ele é transferido para uma célula normal, cujo núcleo foi retirado, as células resultantes de sua divisão permanecem normais. Se fosse verdade que o genoma alterado por mutações fosse a causa do câncer, as células resultantes deveriam demonstrar doença.
Porém quando um núcleo de célula normal é transferido para uma célula tumoral, cujo núcleo foi retirado, as células filhas permanecem cancerosas, mostrando que está no citoplasma a estrutura que mantém o câncer progredindo. (Link)

Como já vimos anteriormente o Dr. Warburg tinha descrito o comportamento da célula cancerosa como uma célula que respirava por anaerobiose (sem usar oxigênio) - mesmo em presença de O2 - e produzia um ambiente ácido. Na época, anos 30, não havia como demonstrar como isso se processava dentro da células. Hoje está bem documentado  que de fato a respiração por oxidação fosforilativa é universalmente insuficiente em algum grau em todas as células tumorais, quando comparadas com células de tecidos semelhantes. E os tumores mais malignos têm as mais altas taxas de atividade glicolítica e produção  de ácido lático.
Quando em certas situações algumas células ficam incapazes de utilizar as mitocôndrias para gerar o ATP necessário para obtenção energética, elas recaem na maneira mais antiga de fazê-lo: a glicólise. Mas precisam que isso seja feito de maneira mais eficiente, assim os genes que maximizam a glicólise são acionados. A glicólise só ocorre com a presença do substrato glicose. Um aspecto interessante de certos tipos de câncer é que elas apresentam uma forma alternativa de uma enzima – a hexoquinase  (HK) - que participa da primeira fase da glicólise, a HK2 ou Hexoquinase II.

Papel da hexoquinase


A glicólise tem em sua primeira fase a transformação de glicose em glicose 6 fosfato, isso é feito por essa enzima, e normalmente  a enzima  HK recebe uma mensagem de PARAR após certo nível de produção como resultado de sua operação, porém a expressão mutante não é inibida. Ou seja: a hexoquinase normalmente pararia de funcionar se a formação de glicose 6 fosfato atingisse um certo nível, por inibição negativa de feedback. (Em termos simples: essa enzima forma um produto secundário, que é também seu fator de inibição para a formação excessiva. Só que isso não é respeitado pela hexoquinase mutante, a HK2). Assim a glicólise não pára, a formação ácido lático não pára e finalmente a célula fica cada mais vez ávida pelo substrato do processo: a glicose!    
Pode-se inferir o custo energético disso, pois essas células compõe um tecido que precisa apenas de um substrato (C6H12O6), e precisam de muito mais do que as demais. São capazes de estimular a formação de vasos que assegurem a chegada de mais glicose, e como estão com o metabolismo otimizado elas vão ser mais eficientes que as células de outros tecidos na obtenção energética. A HK2 tem o dobro de capacidade de utilização de glicose.  De acordo com o pesquisador em oncologia, Mathupala, a isoforma HK2 é a forma predominante de expressão em tecidos tumorais. Uma outra característica importante dessa enzima é sua localização estratégica. Ou invés de ficar solta no citoplasma – como as outras formas de HK – ela fica se estabelece nas paredes externas das mitocôndrias  - em locais chamados de canais de ânions dependentes de voltagem. O que importa é que as mitocôndrias com HK2 atachadas à elas podem representar até  70% da HK encontrada em células de câncer de fígado, em contraste com a virtual ausência dessa expressão em células normais. Ou seja, não há dúvida que essa enzima está definitivamente associada à expressão do câncer! Tampouco sua função: otimizar a utilização de glicose!
Thomas Seyfried, um dos mais importantes pesquisadores no campo do câncer, afirma que “quanto mais elevados os níveis de glicose, mais rápido cresce os tumores. Quando os níveis de glicose caem, o tamanho do tumor e a taxa de crescimento cai”(2012).
Outro pesquisador importante nessa área afirma que “um dos mais comuns e profundos fenótipos das células cancerosas é sua propensão ao uso e catabolismo de glicose em altas taxas”, (Mathupala et al., 1997).
Seyfried (foto) expõe que a “hiperglicemia está diretamente relacionada com o um prognóstico pior em humanos com câncer maligno cerebral”, (2012).

SUGAR JUNKIES

Amy Berger, excelente blogueira em temas científicos na área low-carb diz que: “Cancer Cells are Sugar Junkies!”(células cancerosas são viciadas em açúcar).
Mesmo que as células cancerosas possam utilizar outras fontes de geração de energia, pois eventualmente podem ter alguma quantidade de mitocôndrias viáveis, que sejam minimamente capazes de cumprir suas tarefas, sua principal fonte de energia é via glicólise/fermentação e isso exige glicose, pois para produzir uma quantidade tão grande de ATP, quanto as células saudáveis, somente com um grande acesso à glicose para chegar lá.
Ouro autor, afirma o seguinte: “Como sua principal fonte de energia de células cancerosas, taxas elevadas de glicose sérica pode ser o combustível da progressão tumoral”(Champ et al., 2012).
Não temos permissão, porém, de afirmar que a glicose per se seja a causa do câncer, mas podemos inferir que a formação de radicais livres (espécies reativas de oxigênio) geradas pelo consumo excessivo de carboidratos possam levar ao dano mitocondrial, um fato que parece ter inequívoca relação com a tumorogênese. (A. Berger). Mesmo que isso (relação de causa/efeito) não possa ser afirmado, podemos facilmente inferir  que um ambiente rico em glicose (que é, no final de contas, fruto do consumo de carboidratos) seja favorável à manutenção de células cancerosas. Nesse sentido, praticamente, não restam dúvidas.

Nos próximos posts vamos ver como a glicose tem facilidades na entrada para células cancerosas, e quais as eventuais implicações terapêuticas desse conhecimento, que provavelmente tem relação com a alimentação low carb...

PS.: As referências serão listadas na última parte dessa série. 



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