A microbiota intestinal primordial e a saúde física e mental numa abordagem científica
Dieta Paleolítica e Dieta Low Carb

A microbiota intestinal primordial e a saúde física e mental numa abordagem científica



Da alergia à saúde mental: a importância das pesquisas das bactérias intestinais

A discussão sobre as causas das enfermidades sempre foi um tema de fascinante debate no âmbito
das ciências biológicas.  Nos anos 80 uma médica inglesa promoveu uma reviravolta na abordagem do autismo, quando propôs o modelo da Síndrome Psicológica/Intestinal  (GAPS), para fornecer um novo tipo de compreensão clínico-terapêutica para situações tão distintas quanto esse drama neuro-psicológico (o autismo), asma e infeções infantis (como a otite). A dra. Natasha Campbell-McBride parecia ser ousada demais. (Podemos conhecer seu trabalho nesse LINK) Mas na verdade ela estava trazendo a tona, de modo prático, conhecimentos muito mais antigos, como veremos a seguir, em um trecho que selecionei de um conjunto de artigos publicados em março de 2015, no Jornal de Fisiologia Antropológica (Journal of Physiological Anthropology).  O titulo geral, dividido em três partes é: "Ambientes naturais, dietas ancestrais e ecologia microbiana: existira um 'distúrbio de deficiência-páleo' (paleo-deficit disorder)?" Muitos já devem estar sabendo que a base teórica que sustenta o campo low-carb, e todas suas matizes (paleo, keto, primal ou zero-carb, etc.) , é a perspectiva oferecida pela medicina evolucionista e por estudos de fisiologia baseado em antropologia. E a busca do equilíbrio da ecologia intestinal (antigamente chamado de flora, mas na verdade bactérias e fungos não são do reino vegetal, e sim de reinos próprios) é ambição primordial da prática nutricional que tem alvo de um amplo reequilíbrio de funções fisiológicas esquecidas ou sub-dimensionadas.
Nesse artigo é revisto de forma abrangente uma série de questões ligadas ao microbioma humano, numa visão ambiciosa à luz de um cenário ecológico mais requintado, 'menos verde' e mais full-color; com um vasto repertório de referencias bibliográficas.

Um dos pesquisadores chave é o famoso microbiologista René J. Dubos  (1901-1982). Ele foi um dos pioneiros da construção do arrojado paradigma Origens Desenvolvimentistas da Saúde e da Doença (ou DOHaD em inglês: Developmental Origins of Health and Disease ). Na década de 1960, ele realizou uma pesquisa inovadora sobre as maneiras em que as experiências mais precoces da vida com a nutrição, microbiota, estresse e outras variáveis ambientais poderiam influenciar os resultados de saúde tardiamente para um indivíduo. Ele reconheceu a relação co-evolutiva entre a microbiota e o o homem como hospedeiro. Quase duas décadas antes da hipótese da higiene, ele sugeriu que as crianças em nações desenvolvidas estavam se tornando muito higienizados (em comparação com nosso passado ancestral) e que os cientistas devem determinar se o ambiente de infância deve ser "sujado de uma forma controlada." Ele também argumentava que o celebrado gráfico de crescimento aumentado através de alterações na oferta global de alimentos e hábitos alimentares não deveriam ser equiparados a (uma expectativa de aumento da) qualidade de vida e saúde mental
René J. Dubos

HIGIENE, ALERGIA E SAÚDE MENTAL
(Ou simplesmente: limpeza demasiada faz mal, NT)

Em 1972, René J. Dubos (1901–1982) relatou que quando ratas isentas de agentes patogênicos específicos são alimentados com proteína de baixa qualidade durante o período perinatal, os conteúdos cerebrais de dopamina e norepinefrina na prole é diminuída [162]. Em 1986, Linda Hegstrand e seu colega R. Jean Hine relataram uma descoberta notável para a comunidade científica: em comparação com os animais livres de germes, animais alimentados convencionalmente têm maiores níveis de histamina no hipotálamo [163]. Embora mais conhecida por sua ligação com alergia, a histamina no cérebro em geral, e particularmente no hipotálamo, é um fator chave na excitação e no comportamento [164]. Talvez subvalorizado na época, esse trabalho foi um marco no eixo microbiota intestinal / cérebro.
Embora a própria hipótese da higiene manteve-se focada no reino da alergia, foi proposto em 2002,
que a forma como as bactérias benéficas influenciam as células T-helper (equilíbrio TH1/TH2) nas alergias também pode estender-se a condições em que os sintomas neuro-cognitivos são comuns. Quando esta proposta aparentemente estranha foi feita, (e aceita em agosto de 2002) assinalou-se que as alergias estão em uma sobreposição freqüente com condições crônicas onde tanto os sintomas emocionais como somáticos são características centrais. Se o desequilíbrio TH1/TH2 é um promotor de muitos dos sintomas emocionais e somáticos, é razoável considerar o papel atenuante de uma flora benéfica como teoricamente possível [89].

Como o foco tradicional para os micróbios nocivos começou a mudar em direção às bactérias comensais e promotoras de ácido láctico, uma inovadora perspectiva científica  começou a unir os sistemas imunitário / nervoso para a saúde neuro-psiquiátrica através dos micróbios não patogênicos e da nutrição. Embora no início dos anos 2000, essas discussões fossem colocadas à margem, longe da rede de segurança do frenesi iminente sobre o tema microbioma, Dubos não foi esquecido nas listas de referência [89], [165]. Ao longo da última década, os estudos clínicos e experimentais preliminares produziram resultados que teriam sido praticamente inconcebíveis até o final do século 20. Estranhamente, Dubos tem um número espantosamente baixo de citações (quando deveriam estar na marca de milhares de artigos - por exemplo, [162]) no Google Scholar.

A respeito dos seus próprios estudos inovadores sobre a microbiota do ambiente total, e o que isso pode significar para o bem estar humano, Dubos referiu a si mesmo como simplesmente seguindo os passos de Metchnikov [166]. Dentro de seu livro Man Adapting (Yale University Press, 1965), ele detalha suas próprias experiências sobre o transplante de microbiota fecal e imunidade. Ele descobriu que um ambiente mais higienizado reduzia a diversidade microbiana intestinal em camundongos. Neste texto notável, ele deixa claro que as diferenças de desenvolvimento evolutivo ancestral se refletem na presença ou ausência de membros dentro da microbiota indígena (original, primária) de várias espécies. Como de costume, ele demonstrou 
sua consciência de interação sócio-ecológico em humanos:

"Qualquer que seja o mecanismo exato da interação entre o estado nutricional e a microbiota do trato digestivo, é claro que a taxa de crescimento, necessidades nutricionais, e eficiência na utilização dos alimentos são influenciados por características […] das bactérias comensais Mas as práticas sanitárias e outros aspectos do estilo de vida pode também desempenhar um papel importante ao afetar a microflora primordial ... diferenças histológicas observadas na mucosa intestinal, dependendo do nível socioeconômico pode ser relevante para o problema, uma vez que provavelmente reflete a intensidade da resposta inflamatória da assim chamada - flora 'normal' ". [167].

Estudos usando ratos isentos de germes e agentes patogênicos mostraram definitivamente que os micróbios podem influenciar o cérebro e o comportamento [168], [169]. Em um dos estudos experimentais mais notáveis ​​até então, o transplante de microbiota fecal dos ratos doadores mantidos com uma dieta rica em gordura para ratos magros (que tinha sido mantidos com uma ração dietética   habitual) resultou em alterações de funções neurológicas. Especificamente, houve mudanças no comportamento sugestivos de ansiedade, aumento do comportamento estereotipado e diminuição da memória [170].

Estes estudos nos mostram que os micróbios interferem; no entanto, há limitações enormes quando se utiliza estudos com roedores, como um meio de fornecer modelos de transposição, para a saúde (humana) em geral, [171] e, especialmente, para questões complexas, como a saúde mental [172] - [174]. Até que ponto podemos considerar a relevância clínica de roedores sem germes e / ou em labirintos usados para medir a “ansiedade" desses roedores "vis-à-vis" ao equivalente complexo ecossistema humano? Animais no ambiente natural podem experimentar disbiose, mas eles não estão vivendo a vida livre de germes. Embora Dubos coloque o DOHaD no mapa com os seus próprios estudos com roedores isentos de germes  e agentes patogênicos, há 50 anos, ele quase certamente concordaria com uma nota crítica de que a (perspectiva comum da) saúde global mental/psiquiátrica não é neuro-ciência aplicada [175].

Este fato, uma perspectiva eventualmente inconveniente pode, às vezes, ser facilmente esquecido. Embora muitos produtos promissores num futuro próximo estarão sendo assinados com a inscrição "microbioma" (probióticos, estimulantes de flora, etc.), Dubos advertiu sobre a super-comercialização dos avanços tecnológicos semelhantes em seu tempo. Ele se referia a essas promoções (desses prováveis progressos possivelmente como 'produtos') em reuniões científicas como uma combinação de "desonestidade intelectual" e "escapismo intelectual" uma vez que eles ignoravam variáveis ​​ambientais mais amplas flagrantes que não seriam tão valiosas para  press-releases [176]. No mundo conectado contemporâneo de redes sociais pseudo-médicas [177], [178] e super propagandas de pesquisas por acadêmicos [179], aquelas preocupações podem ser particularmente relevantes.

Não obstante as dificuldades de transposição (para o âmbito humano), os estudos emergentes com roedores têm fornecido algumas pistas inegavelmente valiosas para possíveis vias mecanicistas de conexão dos micróbios (intestinais) com as funções encefálicas. Coletivamente, os estudos experimentais indicam que os micróbios benéficos podem influenciar a função cognitiva, o comportamento, e o estresse percebido por várias vias: uma comunicação direta ao sistema nervoso central (provavelmente através do nervo vago), controlando a barreira intestinal (com a limitação da inflamação sistêmica de baixo grau), a melhoria do estado nutricional (absorção fitoquímica e precursores de neurotransmissores), reduzindo o estresse oxidativo sistêmico, a regulação do controle da glicose, e a limitação da produção de toxina urêmica[180] - [183]. Sem dúvida, outros serão revelados.

No cenário clínico, vários estudos têm mostrado que os probióticos orais, ou alimentos / bebidas fermentadas, incluindo as bactérias benéficas, podem fornecer vantagens em expressões aparentes, tais como depressão, raiva, ansiedade e humor diário [184] - [189]. Talvez o estudo mais interessante até o momento, envolva as avaliações com ressonância magnética funcional (fMRI) antes e após o consumo por um mês de um alimento fermentado/microbiano vs. não fermentado, com os resultados de imagem sugerindo uma redução na vigilância aos estímulos ambientais negativos entre os adultos saudáveis que consumiram o produto lácteo fermentado [190]. A pesquisa também identificou diferenças na microbiota intestinal em pacientes com transtorno depressivo maior e fadiga crônica [191], [192]. Por outro lado, numerosos estudos mostram que os portadores de sintomas depressivos e altos níveis de sofrimento psíquico se envolvem em padrões alimentares que são muito distantes de um padrão tradicional saudável que poderia dar suporte a (adequada) diversidade microbiana [11].

Original - nome do artigo e autores:
Natural environments, ancestral diets, and microbial ecology: is there a modern “paleo-deficit disorder”? Part II

Alan C Logan1*, Martin A Katzman2 and Vicent Balanzá-Martínez3

fonte: http://www.jphysiolanthropol.com/content/34/1/9


As referências podem ser verificadas no artigo original.

O artigo original não tem gravuras






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