Dieta Paleolítica e Dieta Low Carb
A teoria metabólica do câncer - Parte I
CÂNCER: UMA DOENÇA METABÓLICA - PARTE I
Volta e meia recebo um dos mais dos posts mais toscos e pueris (para não usar adjetivos piores) em powerpoint que circulam na internet: "As causas do câncer" (ou as causas do cancro, original em português de Portugal). Um exemplo está nesse LINK.
O uso de sofismas nas admonições desse texto e vários outros similares é, digamos, muito interessante. Alguém ouviu falar no dr. Otto Warburg e sequestrou, direcionou suas enormes colaborações na pesquisa do câncer num panfleto “anti-carne” e lipidofóbico (relação do câncer com consumo de gorduras), citando um tema da moda: o pH do organismo - utilizando a ciência de forma precária e sob o viés do preconceito característico do irracionalismo aplicado ao pseudo-científico, desgraçadamente associado à um contorcionismo de interpretação que costuma se associar à idealizações no campo da saúde amplificados nos tempos de uma informações virais, (um mix de mídia médica alternativa ou outros termos simpáticos à ignorância experta).
Por inspiração desses posts, textos e outras exortações iniciei uma pesquisa nesse campo.
Câncer é uma palavra terrível, e seus atributos parecem, mesmo para a maioria dos médicos algo além da lógica da biologia e da natureza. Assim falar sobre essa possibilidade de expressão celular não parece ser uma concessão na área da comunicação.
Existe um canal oficial - o INCA cujo link é esse - que já parece ter traçado as diretrizes master sobre as discussões teóricas e apresenta algumas sugestões (um tanto óbvias) para atitudes que poderiam proteger contra essa “maldição" que nosso organismo parece estar subjugado, com poucas rotas de fuga…
A ideia dos próximos posts é tentar dar uma luz sobre esse conjunto de doenças, e quem sabe nos auxiliar a lidar com essa enfermidade baseado em ciência, integrando conhecimentos históricos, práticos e quem sabe abrindo um horizonte mais gentil para tantas pessoas que tem esse diagnóstico.
Obviamente, não se quer fabricar falsas expectativas, ou aproximar as pessoas do pensamento mágico, que possa estimular pacientes a uma postura incauta e estóica. Esperamos que a amplitude do conhecimento científico seja um estimulo a soma de esforços efetivamente promissores.
O estigma da palavra câncer tem como efeito co-lateral a formação de uma névoa sombria, como se o câncer fosse algo além da ciência, algo que não siga nenhuma lei biológica, o que é obviamente afrontoso à quem tem noções, mesmo sumárias, das ciências naturais. Talvez implicar ao tema certo ar secreto seja uma forma impávida de nos colocarmos como status civilizatório - algo que dá uma “dignidade justa" à patente ignorância (pública) desse assunto. Afinal estamos com tanto progresso em amplos campos científicos nesse século XXI, e deixamos o câncer ainda nos vencer.
Todos esses aspectos precisam ser considerados que um fato - indubitavelmente comum - com uma exótica dualidade: ser ao mesmo tempo ostensivo e secreto.
Quais seriam esses segredos?
Um filme recente inicia com uma exposição de biologia. Lucy é um filme muito interessante, mas essa frase dá uma informação preciosa, são as palavras do personagem de Morgan Freeman que poderiam ser resumidas em algo como: “Células em ambientes acolhedores buscam a reprodução. Células em ambientes hostis buscam a imortalidade.” Uma ideia semelhante foi exposta pela autora T S Wiley no livro “LIghts out”(Apague a Luz, versão em português), quando ela falava do início do aparecimento do câncer em certos tecidos corporais. Ou seja, se uma célula percebe que o equilíbrio do organismo mãe está em situação de falta de homeostase, as células poderiam regredir num comportamento atávico de buscar a sobrevivência por conta própria, sem manter uma postura de colaboração com as demais células do corpo inteiro, como se houvesse uma informação de alarme, tipo: "O circo está pegando fogo e é cada um por si!”
Cabe uma pergunta: como uma célula consegue na prática se distanciar das suas parceiras e iniciar de fato uma doença fatal?
Diferenças entre células normais e cancerosas
O equilíbrio da vida das células em estruturas biológicas complexas como o corpo humano precisa seguir rigorosamente algumas regras. Uma delas é a apoptose - uma programação para a morte quando elas ficam com imperfeições em suas funções ou de suas organelas se tornando incapazes de se manter seus compromissos fisiológicos. Outra regra importante é a inibição por contato, onde as células param de crescer quando o espaço onde elas se encontram fica, por assim dizer, muito cheio. As células do câncer não seguem essas regras, elas se multiplicam infinitamente, mesmo com graves alterações estruturais e funcionais, e não param de crescer e se reproduzir, o que produz uma das alterações anatômicas mais óbvias do câncer: o crescimento tumoral, uma massa tecidual inusitada. Elas apresentam todos os tipos de mutações em seus DNA, mas isso não segue uma regra clara, ou seja não há padrão genético nessas mutações, de tal forma que as células de câncer tem uma característica muito perturbadora: as mutações genéticas são heterogêneas dentro de um mesmo tumor (na mesma pessoa) e em tumores semelhantes de pessoas diferentes. Um autor chamou isso de caos genético, e pode explicar a imensa dificuldade de se propor uma terapêutica específica (quimioterapia) bem sucedida para um determinado tipo de câncer de um órgão em particular do corpo humano.
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Angiogênese tumoral |
Outra característica marcante do tecido tumoral é a capacidade de estimular suprimento de sangue próprio, o que é chamado de angiogênese: ele cria sua rede de vasos e melhora o aporte de seus nutrientes. Se espalhar a partir de uma lesão original é outra característica do câncer. O lançamento de células para além do local original é chamado de metastização, usualmente utilizando as vias sanguíneas e linfáticas como vias de acesso a distância, podendo chegar a qualquer outro órgão do corpo. (A invasão de um órgão vizinho é chamado de metástase por contiguidade).
Outra característica da célula cancerosa é perda de diferenciação. Ou seja, a célula de um determinado tecido vai perdendo sua morfologia original, ficando diferente das células que lhe deram origem. É interessante se perceber que numa mesma massa tumoral há vários tipos de perda de diferenciação tecidual, chegando a níveis de pouca diferenciação ou mesmo indiferenciadas (sempre em comparação com as células do tecido original). Normalmente quando menos diferenciada - ou seja mais anormais ficaram as células, mais rapidamente elas crescem e se espalham.
Sobre uma alteração em especial vamos falar adiante. As alterações mitocondriais, as organelas celulares, que ficam no citoplasma e são responsáveis pela respiração celular.
Glicólise e Fermentação - obtendo energia sem oxigênio
Como todos sabemos a respiração da células dos animais é feita com a utilização do oxigênio.
Mas todas as células tem um “backup” respiratório. Um bem conhecido é aquele utilizado pelos músculos em determinados tipos de exercícios: a respiração sem oxigênio ou anaeróbia.
Nesse momento uma molécula de glicose (C6H12O6) é convertida à duas moléculas de ATP.
Esse modo super antigo da célula produzir energia ocorre diretamente no citoplasma celular. Não há nenhuma parte específica responsável por esse processo. Em bioquímica isso é chamado de Glicólise. O resultado desse processo gera então duas moléculas de ATP - fundamental fonte de energia celular - e duas moléculas de piruvato (ácido pirúvico). O piruvato é convertido a ácido lático. Esse processo também é chamado de fermentação.
Sumariamente pode-se dizer que a glicólise/fermentação é um modo primitivo de uma célula gerar energia.
(A fermentação, é processo que nos traz produtos como o iogurte e o chucrute).
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Gráfico da glicólise |
Ciclo de Krebs/Fosforilação oxidativa - obtendo energia com oxigênio
Quando o oxigênio entra em cena a célula consegue muito mais eficiência na produção de energia, em vez de 2 moléculas de ATP, a célula consegue 36 a partir de uma única molécula de glicose.Esse processo se inicia a partir das duas moléculas de piruvato obtidos pela glicólise, que é transformado para acetil-coenzima A (acetil-CoA), que a seguir entra num caminho bioquímico complexo chamado de Ciclo de Krebs, o que gera subprodutos que vão passar pela fosforilação oxidativa (ou cadeia respiratória), que finalmente vai produzir mais 34 ATPs. Isso só ocorre em presença de oxigênio. Por isso é chamada de respiração aeróbia.
Só que para que esse sofisticado método de produção de energia ocorra vai entrar em cena um equipamento especializado: a mitocôndria. São milhares de mitocôndrias nas células. E algumas tem muito mais do que outras: por exemplo a célula do músculo cardíaco, algo fácil de entender: ela nunca para de gastar energia! |
Formas de obtenção de energia pela célula (fonte MEC) |
Acredita-se que as mitocôndrias tenham sido, há bilhões de anos atras, estruturas independentes simples que se beneficiaram do aumento do oxigênio na atmosfera da Terra. Essa estruturas que produziam muita energia seriam um reforço exponencial para células que quisessem melhorar sua produção própria de energia, considerando que o método tradicional, a glicólise era pouco eficiente. Essas células teriam “engolfado" esses micro-organismo e os transformados em organelas especializadas na produção de energia (hipótese da simbiose da mitocôndria nas células eucariontes).
Tem células que não tem mitocôndrias: as hemácias (glóbulos vermelhos) e algumas células da retina. Essas células estão bem adaptadas ao processo de glicólise como sua fonte de energia.
Em algumas situações quando a necessidade de energia vai além da produção daquela oriunda da Acetil-CoA, uma célula saudável vai fermentar o piruvato à ácido lático - isso ocorre nas células musculares estriadas sob intensa atividade física. Quando o ácido lático é produzido há um sinal de que a exaustão está próxima.
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Mitocôndrias |
Uma questão essencial
A geração de energia a partir de carboidratos começa com a glicólise.
Mas um fato muito importante que não pode ser esquecido é que a glicose NÃO é a única fonte de acetil CoA (início da respiração aeróbia). Nosso organismo pode fazer acetil CoA a partir de gorduras e cetonas, mas apenas na presença de oxigênio. Isso implica que a célula precisa ter mitocôndrias em quantidade e com suas funções normais.
Se uma célula não tem mitocôndrias, ou se elas são mal funcionantes - ela não consegue energia a partir de gordura e cetona. Esse tipo de célula precisa de glicose, e pode precisar de muita, muita glicose!
Isso é muito importante para entendermos um dos pilares da teoria de origem metabólica do câncer. Pois afinal de contas, se a célula cancerosa tem como marca descrita pelo pesquisador Otto Warburg, nos anos 1930, o processo chamado de glicólise aeróbica, ou fermentação aeróbica, hoje sabemos que isso ocorre porque essas células têm mitocôndrias ineficientes. Estão presas ao mecanismo mais antigo, mas garantido: usam a glicose para fazer duas moléculas de ATP. Não podem usar o mecanismo da acetil-CoA. Há um dano mitocondrial permanente.
Nos próximos posts vamos ver o que foi descoberto sobre a saúde da mitocôndrias e as células cancerosas, alguns dados históricos na pesquisa do câncer e assuntos afins.
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