A ESTEATOSE E O CONSUMO DE CARBOIDRATOS
Indiscutivelmente um dos quadros mais comuns na prática da clínica médica é descoberto através de exames de rotina como a ecografia abdominal. Muitas pessoas se surpreendem ao descobrir que tem algum grau de gordura do fígado, o que chamamos de esteatose hepática e no laudo geralmente se descreve algo como “aumento difuso da ecogenicidade hepática”.
DEFINIÇÃO:
A esteatose pode ser a fase mais precoce da doença hepática gordurosa não-alcoólica. O diagnóstico exclui obviamente a ingestão de excessiva de bebidas alcoólicas (+ de 20g de etanol/dia), e ainda enfermidades infecciosas e consequências de uso de certos químicos como certos medicamentos ou agentes tóxicos. Embora o fígado normalmente possa ter algum percentual de gordura (algo entre 5-10% do volume do órgão), define-se a esteatose pela concentração de triglicerídeos, mais precisamente quando a concentração de triglicerídeos hepáticos é superior a 55 mg/ g de fígado (5,5%) (2).
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Figura 1 |
GRAUS DE ESTEATOSE
- O grau de infiltração gordurosa pode ser classificado:
- 1) Desde a esteatose isolada (tipo I),
- 2) Esteatose com algum nível de inflamação (tipo II),
- 3) Esteatose com lesão de hepatócito ou degeneração em balão (tipo III) e
- 4) Esteatose com fibrose sinusoidal e/ou corpos de Mallory (tipo IV). Chamamos de esteato-hepatite não alcoólica (em inglês a sigla: NASH), a forma grave de evolução da esteatose que é caracterizada pelos sinais de lesão inflamatória hepática com deposição de colágeno.
ALGUMAS ESTATÍSTICAS:
Aproximadamente 10-29% dos pacientes com cirrose irão desenvolver uma hepatite (NASH) dentro de 10 anos. A esteatose é um forte marcador independente para doença cardiovascular sendo mais importante do que o grau de gordura periférica ou visceral. É importante se salientar que embora seja presumível imaginar o quadro em pessoas com sobrepeso óbvio, a prevalência dessa doença do fígado é de 15% em pacientes não-obesos. Claro que a estatística aumenta em enfermos obesos [com índice de massa corporal (IMC) = 30.0-39.9 kg/m²] e extremamente obesos (IMC ≥40.0 kg/m²) para 65% e 85%, respectivamente. Alguns estudos mostram que a esteatose pode estar presente em 34% dos adultos americanos e 15% dos adultos chineses. (4) A esteatose não poupa crianças e adolescentes como já divulgado nesse blog nesse artigo.
RESISTÊNCIA A INSULINA
Não é sem razão que alguns autores consideram a esteatose um sintoma da Diabetes tipo II em atividade. Uma das definições da diabete tipo II, também conhecida como diabetes do adulto é o fato de ser uma expressão da resistência à insulina. Em relação à esteatose a resistência à insulina é amplamente reconhecida como fator chave da doença do fígado gorduroso. Estudos recentes mostram que a severidade da esteatose é diretamente proporcional ao grau de resistência à insulina. Os mecanismos bioquímicos são complexos, mas as várias etapas do processo estão bem estabelecidas, inclusive a fase de lesão direta do hepatócito, reações inflamatórias e fibrose (hepatite). A obesidade também está associada a gravidade do quadro. A ferritina pode estar bastante elevada na esteatose (um dado de exame laboratorial que pode sugerir o processo). Alguns autores consideram que ocorra um dano mitocondrial, com formação maior de espécies reativas de oxigênio (radicais livres). A combinação de peroxidação lipídica com produção de citocinas incorre na morte do hepatócito.
INFLUÊNCIA DO CONSUMO DE CARBOIDRATOS, E O PAPEL DA FRUTOSE
Considerando o rápido aumento na prevalência da esteatose hepática, vários estudos suportam o conceito que exista um importante papel de fatores ambientais, especificamente pela alimentação. Foi relatado que o consumo excessivo do xarope de milho (ou xarope de milho rico em frutose, HFCS – em inglês, ou simplesmente chamado de xarope de glicose nos rótulos) em refrigerantes e alimentos pré-prontos está relacionado ao aumento da prevalência de obesidade e esteatose hepática associada. Os carboidratos ingeridos são um grande estímulo para um evento bioquímico, a lipogênese de novo (LDN) hepática, e mais propensos a contribuir diretamente para a esteatose do que a ingestão de gordura alimentar.
É amplamente aceito que a obesidade está associada com a inflamação crônica de baixo grau. Esta inflamação crônica é um dos pontos de relação entre obesidade e resistência à insulina. A resistência à insulina desempenha um papel central na patogênese da doença hepática gordurosa não alcoólica. Isso é resultado de uma complexa cascata de eventos bioquímicos, como já citado, que envolvem personagens mais ou menos conhecidos como a TNF-alfa, os transportadores de glicose (GLUTs), os substratos receptores de insulina (IRS-1 e IRS-2) entre vários outros. Uma das consequências é uma depleção das lojas de ATP (energia) na mitocôndria da célula do fígado, deixando suscetível a múltiplas injúrias.
O incremento do consumo de bebidas adoçadas com açúcar e de alimentos pré-prontos está relacionado com o risco de síndrome metabólica. O xarope de milho (HFCS) estimula a lipogênese de novo e, finalmente, o desenvolvimento de doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA).
A frutose é um intermediário no metabolismo da glicose. Mas, ela difere em várias formas da glicose. A frutose é fracamente absorvida a partir do trato gastrointestinal por um mecanismo diferente da glicose ( Figura 2 ). A maioria das células têm apenas pequenas quantidades do transportador GLUT-5 (transportador de glucose de tipo 5), o qual transporta frutose para as células. A glicose é transportada para as células pelo GLUT-4, um sistema de transporte dependente de insulina. A frutose é quase totalmente processada pelo fígado. O metabolismo hepático da frutose estimula a lipogênese. Estes eventos são independentes do emprego da insulina e pela etapa de regulação pela fosfofrutoquinase. A alta ingestão de frutose está associada ao aumento de triglicerídeos no plasma por um aumento da regulação da lipogênese de novo do fígado (LDN hepática) e secreção de triglicerídeos, e uma diminuição do clearance das VLDL-TG (lipoproteínas de densidade muito baixa com triglicérides). A fosforilação da frutose no fígado consome ATP, consequentemente, o acúmulo de ADP serve como substrato para a formação de ácido úrico. Estes eventos facilitam o dano oxidativo hepático e a peroxidação lipídica.
EFEITO POSITIVO DE DIETAS LOW CARB
Há uma série de referências sobre os potenciais benefícios de modificações alimentares dentro do espectro de baixo carboidratos na alimentação para o controle da esteatose. Na revisão de Linda York e outros autores (1) é feita uma distinção entre dietas com restrição de carboidratos com redução ou não de total de calorias. É mostrado que ambas têm ação positiva sobre vários parâmetros de controle metabólico. Isso indiscutivelmente favorece a redução do sobrepeso, um aspecto amplamente relacionado à esteatose. Um estudo da Universidade do Texas mostrou que entre dois grupos, um com restrição de carboidratos (tanto quanto 20g/dia) e outro grupo com restrição de calorias, o grupo com a dieta lowcarb perdia gordura hepática mais rápido (3). Uma das recomendações mais amplamente citadas para controle da esteatose e todas as suas consequências é a redução do peso. No contexto das abordagens mais eficientes tanto para redução de peso, como a redução de triglicerídeos e controle de parâmetros da diabetes, a alimentação com redução de carboidratos é especialmente eficaz e há várias referências disponíveis.
Acrescente-se a isso a necessidade do cuidado na ingestão da frutose, especialmente a forma de xarope de frutose (HFCS). Recentemente, estudos em animais mostraram que o consumo excessivo de HFCS-55 aumenta a expressão hepáticas dos genes da Glut5 e níveis de TNF-alfa, e da endotoxemia derivada do intestino, do estresse do retículo endoplasmático, peroxidação lipídica hepática e atividade apoptótica. Os efeitos pró-inflamatórios e lipogênicos de frutose parecem ser devido à depleção transitória de ATP. A frutose também pode aumentar os níveis de ácido úrico intracelular e no soro.
(Um outro artigo do blog informa a quantidade segura de frutose em frutas para pessoas que necessitam de um controle da quantidade a ser ingerida NESSE LINK)
De qualquer maneira um dos aspectos mais importantes é que um processo potencialmente dramático para a saúde, que pode ter um resultado muito grave na disfunção de um órgão chave do organismo, pode ser muito beneficiado com a mudança em hábitos alimentares, e dispensando o emprego de qualquer tipo de medicação específica.
Principais artigos de referência:
(1) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19575599
(2) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4405421/
(3) https://www.sciencedaily.com/releases/2011/04/110419003651.htm
(4) http://www.hindawi.com/journals/ije/2013/428542/
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